segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Call me by your name

Ele já me conhecia há certo tempo antes mesmo que eu soubesse da existência dele. A minha profissão, jornalista, na mente de muitos homens é um fetiche para suas vidas monótonas, preto e branco, sem graças por falta de ideias e criatividade: chatas para caralho. Acham que eu vou ser a mocinha do filme que vai dar toda a emoção, aventura, diversão cult, o verdadeiro romance pedido a Deus sob encomenda e consumo particular. Espero que não tenha sido esse o anzol, porque de comédias românticas o inferno está cheio para risos da plateia.

Consigo enxergar muito bem a verdade nos olhos dos meus espectadores. E dá para ler, facilmente, a saída do porquê entro como linha na agulha mais, tecnicamente, impossível de costurar história. O pedido sincero para ficarem perdidos sem novelo no labirinto afetivo que criaram para si, construído pedra sobre pedra, perdição sobre perdição de maldade gratuita com suas presas, não vítimas.

Para o padrão de normalidade mundana, tive tão, tão poucos escolhidos em seus carmas enrolados, camas. Normal para quem sempre é fora da média, fora da moda, fora de série, dentro da divina morada, dentro de si. Até porque, dizem aquelas velhas escrituras, já dessacralizadas pelos costumes de quem as leem por falta de prática, que o paraíso está dentro de nós. Na neurociência isto significa que um estado mental, um padrão binário configurado em positivo ou negativo, é uma questão de escolha. O clássico yin yang, a dualidade presente em cada um de nós.

“Me erram” para me achar, logo eu, uma assassina espiritual profissional com penas, papel, tinta, sentenças, acertos de contas no bar e toda minha não ortodoxia de hábito. 7 dias para os flashes inesquecíveis em suas câmeras embutidas em seus smartphones se tornarem a escuridão que nenhuma memória pode apagar, flechas.

Entre ovelhas por fora, por dentro lobos, esses famosos lobisomens ordinários entre mulheres despedaçadas por um pedaço de carne de procedência Friboi, fiquei conhecida no submundo pelo apelido interessante, sem ser vulgar, de gelar a espinha de invertebrados, se insetos tivessem ossos, por Samara Morgan.

Não dá para confiar em pedaço de mau caminho. Pois bem, fica a dica, chapeuzinhos descartáveis, camisinhas usadas de todos os gêneros, parem de chorar pelo leite derramado e sem mais gozação ousada, bem feito para vocês. E para mim também, mas não posso reclamar, só agradeço, já que antes do pó, num ritual dionisíaco, o álcool fez a magia acontecer. Do fogo nasci e no fogo renasço, o eterno retorno da Fênix ariana, com ascendente em Leão.

– Ué, você é a primeira e única que, realmente, não é atraída pelo meu amigo... Dá para sentir a frieza do seu olhar, que estranha você! Mas, é..., para ficar próxima dele, comecei a namorar um dos melhores amigo do Artur.

A garota me puxou para o fumódromo de uma pub do Setor Bueno e fez toda a delação premiada, a vingança contra a obsessão dela de longa data. Desconcertada por encarar uma das facetas possíveis que posso ter ao estilo doutrinado na grande mídia, que é quando não invento de escolher as piores roupas para sair, uma imagem que manipulei no dia que ela me conheceu ao lado do obsediado dela, ela criticou-me por todas as características físicas que eu parecia ter no dia. Que escárnio, todas encarnadas nela...

Depois, falou podres pontuais que ele que não teve coragem de me confessar, o como ele deixou a ex-namorada mais velha e psicóloga para além da loucura, à beira do suicídio, por exemplo. Só a chamava de “louca” para mim e eu insista “por quê?”, sem repostas. O faro terminou, de forma invisível, em fogo nas pulgas na pele do cachorro já encharcado de álcool, vodka, catuaba, pinga, tequila, sal e limão por livres e espontâneas vontades caninas. Dava para sentir o cheiro de enxofre a cada baforada da fumante e ex-amante, mesmo ela sendo a melhor amiga da ex do rapaz.

Mesmo com posterior desencanto e destilado desprezo, seres como eu não costumam fugir do chamado. E até que enfim, este ano, meu telefone parou de tocar ruído. Cheguei à exaustão com esperança de transformar, uma por uma, faíscas violetas em vinho. Fiasco. Seres antigos, seres cantinas das trevas. Depois de toda a liquidez e liquidação barata de suas vidas, pós que se perceberam cinzas. Preto e branco indisfarçável em suas poses sociais.

Alguns já nem conseguem mais disfarçar a falta de luz no olhar, olhos de morte para inglês ignorar, sem curtição. Se a verdade é chama do coração, só Deus sabe quanta energia tive que despertar por tentativa e erro para manifestá-la em cada um que caiu no inferno, queimando continuamente, apaixonados, pela luz que não tinham, mas fingiram ter, amor. Amor, muitos já me chamaram assim, muitos foram chamados também por tantos outros, outras. Mas já passou a minha temporada de pesca para bons pecadores – um saco.

Os signos mudaram. Fisgada estou. E ele se apresenta de modo tão educado, sensível, inteligente, expansivo, amável, bem humorado, humano, evitando de me chamar pelo nome do que ele não conhece, verdadeiramente, em mim. Ele pronuncia entre os dedos, após a mudança de cidade, após assessorias em sentenças judiciais, após ler minha vergonha sem cabimento de ser chamada de linda, “Mari”.

Agora temo. O que emprestei sem ler e foi devolvido sem ser lido até o final, contratos quebrados, ele também os têm e devorados com felicidade. Inclusive, o livro que mais quis ler na disciplina de mestrado que fiz na cidade dele, a mais evangélica do Brasil, diz o IBGE, ele prometeu de me emprestar. Será que ele quer sair comigo, uma desculpa para me encontrar ou só é gentileza para eu desfrutar do livro que não consegui comprar por falta de planejamento?

Dizendo meu querido desconhecido íntimo, anapolino, pisciano, escritor de apenas um conto policial publicado na rede, que ficou muito interessado em estudar minha especialização de cinema porque ele sempre sonhou em transformar todas as histórias que ele inventa em curtas. Viajar pela América Latina de carro, ganhar um Rally dos Sertões que meu professor espírita vence, “Incrível, temos uma pessoa em comum!”, essas coisas.

Fiquei rindo e o lembrei:

– Temos duas.
– Puts, que vacilo! Tinha me esquecido da sua mãe. =/

Sem joguinhos, os sinais são claros, diretos, assertivos. Até dispensou meus serviços de cupido. Sendo aplicativos, ainda não caiu a ficha de como o Airbnb virou Tinder.

– Quem eu quero conhecer é você.


15 de fevereiro de 2018, às 4:22

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